3 de mar. de 2007

Deus


"Sempre me preocupou o problema do mal, quando ainda criança ficava ao lado de um formigueiro armado de um martelo e começava a matar formigas a torto e a direito. O pânico se apoderava das sobreviventes, que corriam em qualquer sentido. Logo, com a mangueira, eu punha água: inundação. Ficava imaginando as cenas lá dentro, as obras de emergência, as corridas, as ordens e contra ordens para salvar depósitos de alimentos, ovos, segurança das rainhas, etc. Finalmente, com uma pá, removia tudo, abria grandes brechas, buscava as tocas e destruía tudo: catástrofe geral. Depois ficava pensando sobre o sentido geral da existência e sobre nossas próprias inundações e terremotos. Assim fui elaborando uma série de teorias, pois a idéia de que fôssemos governados por um Deus onipotente, onisciente e bondoso parecia-me tão contraditória que nem sequer acreditava que pudesse ser levada a sério. Já havia elaborado as seguintes possibilidades :


1 - Deus não existe.

2 - Deus existe e é um canalha.

3 - Deus existe, mas às vezes dorme: seus pesadelos são nossa existência.

4 - Deus existe, mas tem acessos de loucura: esses acessos são nossa existência.

5 - Deus não é onipresente, não pode estar em todas as partes. Às vezes está ausente. Em outros mundos ? Em outras coisas ?

6 - Deus é um pobre diabo, com um problema complicado demais para suas próprias forças. Luta com a matéria como um artista com sua obra. Algumas vezes, em alguns momentos, consegue ser Goya, mas geralmente é um desastre.

7 - Deus foi derrotado antes da História pelo Príncipe das Trevas. Derrotado, convertido em suposto Diabo, é duplamente desprestigiado, já que se lhe atribui este universo calamitoso.


Ernesto Sabato, em 'Sobre Heróis e Tumbas'.



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