14 de abr. de 2007

As palavras e as coisas

Adorei o artigo do grande Emir Sader, abaixo reproduzido. Mas quando crescer ( ou na próxima encadernação ) quero muito conseguir sentir os fatos da vida que nos arrodeia de um modo equilibrado, sem pensar logo "Cambada de filhos-da-puta !", "a porra do dinheiro é que manda sem nenhuma desfaçatez !"
Mas aí leio os comentários e constato que aparentemente a maioria é 'contra'. Então tento refletir do alto das tantas décadas : "que côsa estes humanos, o pessoal que engole redondo as putarias da imprensa ( e fica repetindo no trabalho no dia seguinte, e-ou nos encaminhamentos de imeius pros amigos ) não é necessariamente nascido em berço esplêndido, a maioria apenas repete o que ouviu dos pais ( em geral - maioria - fudidos e explorados )".
O zen ômetro estoura em 0,1 e encerro tanta reflexão : " Medíocres safados, ao paredão com todos eles, que se enforquem uns nas tripas dos outros !"

Feitas para designar as coisas, as palavras podem perfeitamente escondê-las. Não fosse assim, o enunciado de algo desvendaria o seu significado. Mas quem trabalha com palavras sabe das armadilhas que elas podem conter. Elas podem se prestar para manipulações ideológicas. Vamos abordar um caso muito significativo e difundido nos discursos contemporâneos, reproduzidos usualmente pela mídia.
Um jornalista holandês aborda a utilização de algumas palavras para se referir ao conflito entre Palestina e Israel, e como elas revelam operações ideológicas que precisam ser decifradas. Joris Luyendijk usa exemplos da cobertura desse conflito para demonstrar como a forma pela qual se denominam as coisas imprime imeditamente um caráter ao noticiário e ao sentido mesmo do conflito.

Devemos usar “Israel”, “entidade sionista”, “Palestina ocupada”? “Intifada”, “novo Holocausto”, “luta de independência”? Os territórios são “questionados” ou “ocupados”? Devem ser “cedidos” ou “devolvidos”? Trata-se de uma “concessão” se Israel chegar a cumprir as decisões de tratados internacionais que caracterizam os territórios como ocupados e que devem ser devolvidos?

Não há palavra neutra, diz ele. E nos convida a um exercício de múltipla escolha, diante da notícia de uma agência internacional:

“Hoje na Judéia e na Samaria / nos territórios palestinos / nos territórios ocupados / nos territórios disputados / nos territórios liberados, três palestinos / inocentes / terroristas muçulmanos foram eliminados preventivamente / brutalmente assassinados / mortos pelo inimigo sionista / pelas tropas de ocupação israelenses / pelas forças de defesa israelense.”

Reescreva como lhe parece que deva ser dada a notícia e eu te direi quem és, qual a visão que tens do conflito, das forças que se enfrentam e, ao mesmo tempo, das agências de notícias e da imprensa que reproduz suas versões.

E Joris se pergunta: por que um judeu que reivindica a terra que foi foi dada por Deus é um “ultranacionalista”, enquanto que um muçulmano que pensa da mesma forma é um “fundamentalista”? Por que um governante árabe que escolheu uma política diferente daquela dos ocidentais é um “anti-ocidental” e um governante ocidental que escolheu uma política diferente daquela dos orientais não é chamado de “anti-oriental”? Alguém já viu um líder político estadunidense ser chamado de “radicalmente antiárabe”? Já viram o governo Bush qualificado de “um governo radicalmente antiárabe”?

Um dirigente israelense que acredita no diálogo é chamado de “pomba”. No entanto um palestino que acredita na mesma via é chamado de “moderado”, para dar uma idéia de que a violência se instalou no coração de cada palestino, com alguns dentre eles conseguindo “moderar” essa natureza profunda. E enquanto Hamas “odeia” Israel, nenhum partido ou líder israelita jamais “odeia” os palestinos, mesmo quando pregam sua expulsão. Neste caso trata-se de uma “limpeza étnica”? Ou de uma “deslocação involuntária”? Ou simplesmente de uma “transferência”?

A grande mídia ocidental não usa a palavra “ocupação!” para desginar os territórios palestinos sob controle militar de Israel. Pedem à Autoridade Palestina que modere a resistência, procurando que ela “demonstre que não fez o suficiente contra a violência”. Mas não se explica aos ocidentais o terror, a opressão, a humilhação que se esconde por detrás das palavras “ocupação”. Os correspondentes ocidentais falam dos “sangrentos atentados suicidas”, mas nunca da “sangrenta ocupação”. Os mortos isralenses – três vezes menos que os palestinos – têm nome, sobrenome, cara, família, emprego, amigos, bairro e casa em que mora, enquanto que os palestinos desaparecem sob a expressão – terroristas palestinos e outras versões afins.

Fidel Castro é invariavelmente “ditador”, não sendo chamado assim o presidente egípcio Moubarak ou o presidente paquistanês Mousharaf ou os dirigentes de países árabes aliados do Ocidente. Como tampouco os ditadores brasileiros – Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo -, todos ex-presidentes brasileiros, segundo a imprensa local.

Os canais de noticiário costumam caracterizar seu trabalho com lemas como “Nós informamos, você decide”. Mas fica claro que o tipo de informação – e de palavras para designar quem é quem em cada conflito e qual sua natureza -, condiciona fortemente, quando já não contem em si as respostas daquilo que aparentemente está perguntando.

Do : Blog do Emir Sader

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