15 de set. de 2007

Sem senso de noção

O texto abaixo saiu na coluna de Hildegard Angel no JB – Caderno B – na sexta-feira, 31 de agosto de 2007.
Dá uma idéia da falta de certas noções importantes na cabeça do Lula, que ainda não aprendeu nesta altura do quinto ano de mandato.
(mas o pior é que a opção são os tucanos lesa-pátria)
Tudo bem. Lula foi o primeiro Presidente da República do Brasil a receber no palácio os familiares dos desaparecidos políticos. Não vamos considerar que Lula levou cinco anos para isso, nem que ele aparentemente morre de medo dos militares. O que torna esse episódio incrível é como essa audiência se deu : totalmente clandestina ! Éramos pouco mais de 20 familiares de nomes emblemáticos, como o filho de Wladimir Herzog e a viúva de Carlos Marighela, Clara, e fomos recebidos na ante-sala do gabinete presidencial. Foi um encontro histórico sem registro oficial. Mudo, silencioso, calado, escondido ! Não teve imprensa, não teve fotógrafo, não teve um repórter da Radiobrás, nada. Sequer cobertura oficial houve, como é de praxe. Como no caso do MST, quando o presidente tira foto, põe boné. Nem mesmo no site do Governo, que registra todas as audiências, há menção ao encontro de quarta-feira. As velhinhas presentes, nossas mães da Praça de Mayo, com os rostos de seus mortos impressos nas camisetas, ficaram frustradas. Teve gente se sentindo tão na clandestinidade quanto no tempo da militância.
Foi tudo muito emocionante.
Lula nos recebeu na ante-sala de seu gabinete. Éramos os familiares das vítimas dos governos militares, dos desaparecidos, torturados, executados. O presidente foi terno. Cumprimentou e abraçou, de modo solidário, um por um. Foi pedido aos presentes que se apresentassem, nomeando seu familiar morto. Foi muito triste. Não poucos tinham, no seu ranking trágico, dois, três ou até quatro perdas. Olhos se encheram de lágrimas, ferida que não cicatriza jamais.
Euzita, 94 anos, mãe do desaparecido Fernando Santa Cruz, falou, representando os familiares, e encerrou fazendo a súplica: “Senhor Presidente, abre logo esses arquivos, não tenho mais tempo para esperar para enterrar o corpo do meu filho”.
Falaram, em seguida, o presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos, o ministro Paulo Vanucchi, dos Direitos Humanos, e, por fim, Lula.
O presidente não parecia à vontade no assunto. Discorreu sobre o sofrimento das famílias de desaparecidos, que “não tinham culpa se um familiar se envolveu em uma coisa errada”. Mas este não foi o único tropeço. Numa segunda gafe, Lula isentou a ditadura militar, contando que, em conversa com os comandos militares, quando discutiam a abertura dos arquivos, ele lhes disse : “Vocês não podem ser responsáveis porque algum elemento da instituição cometeu algum tipo de excesso”. Tropeços de quem, por maior que seja a boa vontade, talvez não sinta em profundidade essa tragédia, ou talvez mesmo não a entenda, apesar de sua grande e reconhecida sensibilidade para as tragédias brasileiras. Não podemos condenar. Difícil, para quem viveu a tragédia da fome, deter-se na tragédia de jovens bem alimentados que deram as vidas por um ideal.
Ao final, depois da sessão emocionada, todos já de pé, deu-se a saia justa. Membro fundador da Comissão de Familiares, Yara Xavier não se conteve: “Presidente, não se tratou de uma questão individual de um sargento, de um capitão, tratou-se de uma questão de Estado”. O presidente retrucou: “Mas o governo do PT não pode responder por isso”. Yara insistiu : “Não, é o ESTADO brasileiro que tem que ser responsável”. Lula rebateu que ela estava à vontade para pensar o que quisesse. Yara disse a última palavra : “Por isso estamos numa democracia”.
Em seguida, passamos todos para o grande foyer do Palácio do Planalto, onde aconteceria a grande solenidade, depois mostrada pelas TVs. Havia ministros, senadores, deputados, autoridades e muitos outros familiares de desaparecidos. O momento era histórico, pontual, um divisor de águas na História política brasileira. Estava sendo lançado, no Palácio do Planalto, o livro-documento Direito à Memória e à Verdade, um trabalho notável de onze anos, reunindo todos os casos analisados pela Comissão de Desaparecidos. Um evento de resgate emblemático, em que o todo o tempo se pisou em ovos, insistindo-se nos discursos nos termos “Conciliação” e “concórdia”, quando se referiam aos militares.
Ao meu lado, queixando-se da discurseira, Maria Augusta, viúva do desaparecido David Capistrano, velhinha, encarquilhada, miúda, nordestina, resmungava entre-dentes : “conciliação, concórdia, são é bandidos”. Sua dor não se calou, pensei, consciente porém de que, naquele momento, ali e agora, dava-se um passo, não tão largo como as famílias pretendem e a Nação merece, mas um passo importante. Como bem disse o ministro Paulo Vanucchi, dos Direitos Humanos, ao falar : “è a primeira vez que há uma manifestação oficial do Estado brasileiro, registrando, para os anais da História, aquela realidade dura, difícil.

Um comentário:

carlos trindade disse...

faltou ela dizer, que diferentemente da mãe , ela só se envolveu depois que acabou a ditadura.